Thursday, October 22, 2020

SOBRE A VIDA QUE PULSA EM UMA CANÇÃO

 Por Adriane Perin

Xanda Lemos durante a gravação de Vestígios, no Nico's Studio. Carnaval de 2020.


“A música entrou na minha vida pela barriga da minha mãe!” Pode até parecer uma frase de efeito, mas no caso de Xanda Lemos, compositora e cantora da banda Criaturas, é a mais pura verdade - e uma verdade que reflete na gente desde os primeiros momentos ao vê-la em um palco ou ouvi-la cantando. A musicalidade de uma mãe com “voz sublime” irradiou para as filhas e netos, continuando uma geração de músicos com histórias que se entrelaçam na produção nacional. A mãe estudou o suficiente para ler e escrever, mas aponta logo o erro do acorde assim que nota, na tentativa da filha. O pai, um capixaba apaixonado por samba e MPB, que tocava o violão para sua amada cantar, também foi influência indelével na filha. “Vendo ele aprendi a tocar violão”, conta, lembrando a linhagem familiar de tios que participaram inclusive da Tropicália. A irmã Cris, a quem acompanhava nos ensaios teatrais, foi outra influência forte na criança entregue ao fascínio das coxias. O vínculo se estendeu para os sobrinhos, que já são parceiros da tia. 

Com toda essa influência pulsando no sangue, é de se pensar que ela soube desde sempre qual profissão seguiria. Só que não. Ela começou cantando na igreja e a musicalidade era tão natural que apenas na adolescência sentiu vontade de tocar. Em um domingo, em um bar tradicional no Parque Barigui, Ivo “do Blindagem” Rodrigues convidou a menina para o palco. “Você vai ficar aí”, vaticinou, logo em seguida. “Ali percebi que podia tocar em um palco”, conta, lembrando a primeira canção que ficou anos escondida.

Música sempre foi seu cano de escape e substituiu até a terapia. Pela facilidade, faltou a disciplina. “Isso me deixou um pouco preguiçosa para estudar música. Esse talento é o que tem me servido”, confessa. Para nós, devo dizer, Xanda, não faltou nada! 

E se alguém tinha alguma dúvida, basta ouvir “Vestígios”, disco que chega nesse 2020 esquisito para retomar o fio de uma meada que seguiu rumos intermediários, mas jamais se rompeu. A música nunca deixou de alinhavar os dias de Xanda, Bruno e Caetano, marido e cunhado, respectivamente, trio formador da banda Criaturas, em 2001. O núcleo familiar fica ainda mais firme, com a participação dos sobrinhos Yan e Yuri Lemos. Afetividade e acolhimento que se desdobram em forma de canções que abrem os braços para pessoas e culturas de outras matizes, que passam pela vida das Criaturas deixando seus próprios vestígios. É o caso de “Omalola”, música que traz o canto da enfermeira que cuidou do filho recém-nascido do casal. Quando ela voltaria para sua rotina, Xanda pediu que mostrasse uma canção de sua infância para que mantivessem viva a presença dela na família. Xanda a gravou no celular e este é o registro que está na música, que em sua introdução tem os batimentos cardíacos do garoto, ainda no ventre mãe. 

Ouvir Xanda contando a história faz lembrar dela no palco, se mostrando em canções confessionais cantadas em coro pela plateia acolhida por seu talento encantador, em uma troca que é evidente. Lembro da primeira vez que a vi, na banda Wasted. Era evidente o talento da guitarrista e backing vocal. Na época ela já era conhecida pela dupla com Naína, atração semanal em um bar da cidade, onde dividiram palco com gente como Sergio Dias. Em uma noite, o mutante notou o talento das meninas e as convidou para gravar. Nas voltas que a vida dá, o projeto não foi adiante, mas a experiência deixou marcas. 

Porém, o encontro mais mágico foi na primeira edição de um pequeno festival, que se transformaria em um dos mais importantes do Brasil, o Psicodália. Em meio à beleza da Serra do Mar, entre rios, barracas e pessoas coloridas, leves e livres, Xanda e Tati Lemos passaram, brilhantes, em seus modelos sixties, carregando com elas todos os olhares – inclusive os meus, que estava ali como repórter e produtora. Logo depois, Xanda pediu que gravasse aquele que seria o show de estreia das Criaturas. 

Com a Wasted, ela estreou em disco e com a rotina dos ensaios diários entendeu o que “é ter uma banda de rock em Curitiba.” Depois da experiência com Sergio Dias foi recebida na rodoviária pelo então namorado que, com um vaso de flor nas mãos, afastou a tristeza afirmando que montariam uma banda muito legal. E a determinação de nunca ter banda com namorado sumiu quando ele mostrou a fita cassete com as composições dela gravadas, já com baixo e bateria. 

Foi tudo rápido, a estreia aos 17, a formação do Wasted aos 20 e a dupla profissional aos 21 anos. Aos 22 anos, veio a Criaturas. Tive o privilégio de não apenas estar entre os primeiros que viram a banda, como de perceber o talento que se abria e de convidá-los para tocar no festival Rock De Inverno. Ali, diante dos principais jornalistas brasileiros, a novata Criaturas confirmou o que nós da produção já sabíamos. Depois do show, o camarim ficou pequeno, pois todos queriam saber quem eram aqueles jovens músicos que nos traziam de volta a memória afetiva de um tempo que não vivemos. 

E eis que a guria “do tipo que escuta mil vezes o mesmo disco quando gosta”, fez canções que a gente gosta de ouvir e cantar junto mil vezes, se ela as tocar. Em sua entrelinhas musicais, permeando as influências familiares é possível sentir a pegada rock costurando os acordes em sétima aumentada que ela trouxe da MPB e da bossa nova. Kinks, Stones, Beatles, Bowie, R&B e até os reflexos da pesquisa que fez sobre o rock brasileiro dos anos 70 estão na discografia da banda. Nessas duas décadas teve um disco muito bem gravado, mas que lançado quando o casal partiu para viver nos EUA, acabou se tornando uma ‘pérola perdida’ do pop rock nacional. Era um momento de transição e quando as ferramentas digitais chegaram, a banda já estava em stand by. 

Mas talento não morre – e boas canções menos ainda. Sempre que voltavam ao Brasil, os shows lotavam e os fãs continuaram cantando tudo junto. Uma tentativa de gravação, em 2007, ficou no meio do caminho e foi retomada em 2020, em uma das temporadas brasileiras. Um carnaval foi o que bastou. E, mais uma vez, a nova fase das criaturas reflete o momento de sua compositora. 

“Vestígios” tem a mistura de línguas e de identidades que se fundem quando você migra. Tem “música de envelhecer, pra sentir que a gente vive morrendo enquanto está vivendo”. Tem música representativa desses tempos sombrios que nos obrigam a conviver com os vestígios do que era a nossa vida antes. 

Se Xanda tem sorte por ter um marido que acredita no seu trabalho mais do que ela mesma e de ter uma família que respinga talento, o que podemos dizer de nós, que temos o privilégio de compartilhar essa veia cancioneira que vibra em Xanda? Se este projeto tem muito amor envolvido, como ela diz, é o amor que precisamos agora que transborda em cada faixa. Bem vinda de volta, Criaturas! Bem vindos vocês, ao mundo dessa criatura capaz de nos fazer acreditar que, sim, a nossa vida ainda pulsa forte nos batimentos de uma canção.

Wednesday, October 21, 2020

TEM LANÇAMENTO DOS CRIATURAS!


 

Nove anos depois do lançamento de O Sexto Dedo, Criaturas grava Vestígios, lançado em versões digital e também em vinil. O Lado A tem 5 músicas inéditas, e o Lado B as 5 versões instrumentais. 

O trabalho foi lançado pelo selo Volts, com direção de Marcelo Crivano e produção musical de Bruno Sguissardi. 

Gravado e mixado no Nico's Studio em Curitiba durante o Carnaval de 2020 e masterizado por J.J. Golden na California, o disco está com uma sonoridade incrível! Certamente é o melhor registro da banda até agora.  

Enquanto o vinil não chega da fábrica, vamos disponibilizar todos os links pra você ouvir o disco online, na plataforma de sua preferência.

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